sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Principios no Direito de Família

RESUMO

Este artigo tem como objeto a análise doutrinária e jurisprudencial da aplicação da afetividade no ordenamento jurídico contemporâneo, edificada com base em princípios, dos quais se destaca a dignidade da pessoa humana, a afetividade, a igualdade e a não discriminação entre filhos havidos por adoção ou fora da relação conjugal formal com os demais filhos, e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Tais princípios são analisados neste artigo de forma a serem considerados fundamentais na formação do Estado Democrático de Direito, no qual a sociedade, por meio de um pacto contratual firmado com base na moralidade, dispõe normas de conduta afirmativas e diretivas criando o termo Constitucional, do qual derivam os demais diplomas e, consequentemente, influenciam o direito do filho afetivo.

1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A expressão dignidade da pessoa humana não possui um conceito próprio e, defini-lo seria tolher sua própria essência, pois este princípio, além de ser efetivamente direcionado à pessoa do homem, serve de base sólida à defesa dos seus direitos primordiais, sendo, também, a base do reconhecimento dos direitos de primeira geração, suficientes para garantir a existência e desenvolvimento individual[1].
No Estado Democrático de Direito é o princípio magno que rege todos os demais e “atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem”[2], por isso se encontra estampado de imediato no primeiro artigo do Termo Magno, sendo motivo basilar de geração de direitos e repleto de “sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão exclusivamente intelectual [deste princípio] e, como todos os outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos”[3].
Este princípio traz uma qualidade intrínseca e específica que distingue cada ser humano em suas habilidades e capacidades, de forma a ser merecedor de igual respeito e consideração pela comunidade e pelo Estado que lhe abriga, sendo-lhe garantidas uma totalidade de direitos e obrigações básicas sem que lhe sejam suprimidos valores, com garantias contra quaisquer atos de natureza degradante ou desumana, proporcionando, ainda, as condições mínimas necessárias para “uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”[1].
Maria Berenice DIAS denomina o princípio da dignidade da pessoa humana como um “macroprincípio do qual se irradiam todos os demais”[2] relacionando-se diretamente com o direito de família e reconhecendo o tratamento isonômico às variadas concepções sociais de família existentes na atualidade e às várias formas de filiação dentro das mesmas[3].
Todas as leis infraconstitucionais devem se curvar aos princípios constitucionais e, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo certo que, no caso da lei não primar por esse princípio em sua construção social não será válida perante o ordenamento jurídico nacional e será considerada “materialmente inconstitucional, posto que atentatória ao fundamento da existência de nosso Estado”[4] Democrático de Direito.
O princípio da dignidade da pessoa humana, eleito como norma fundamental do ideal Republicano, atrelado ao interesse do estado na erradicação da pobreza social e da marginalização, bem como ao interesse pela redução das desigualdades sociais, quando conjugado com o que prevê o artigo 5º, § 2º da Magna Carta Republicana de 1988, “configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento”[5].
Diversos julgados dos nossos tribunais se utilizam desse princípio para fundamentar suas decisões, fazendo luzir os ideais republicanos, como exemplo:

APELAÇÕES CÍVEIS 1. AÇÃO INIBITÓRIA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA SUSPENDER O DESCONTO DE PRESTAÇÕES DE EMPRÉSTIMOS EM CONTA CORRENTE RECEBEDORA DE PROVENTOS DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. DEFERIMENTO PELO MAGISTRADO SINGULAR. APLICAÇÃO DA REGRA INSERTA NO ART. 333 DO CPC. ÔNUS DA PROVA. LEGALIDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIMITAÇÃO DO DESCONTO A 30% DO SALÁRIO DA DEVEDORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Cabível, em princípio, a cláusula em contrato de empréstimo feito perante instituição financeira que permita o débito das prestações do referido empréstimo em conta corrente de devedor, ainda que nessa seja depositado os proventos de servidor público municipal. 2. Contudo, em face do princípio da dignidade da pessoa humana e a fim de se assegurar que o devedor possa prover a si e a sua família, os descontos devem ser limitados a 30% dos salários depositados em conta corrente. 3. Não tendo sido devidamente sopesadas as circunstâncias do artigo 20, §3º e §4º, do CPC, a majoração da verba honorária se impõe APELAÇÃO 1 CONHECIDA E PROVIDA, EM PARTE. APELAÇÃO 2. AÇÃO INIBITÓRIA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA SUSPENDER O DESCONTO DE PRESTAÇÕES DE EMPRÉSTIMOS EM CONTA CORRENTE RECEBEDORA DE PROVENTOS DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. POSSIBILIDADE DE DESCONTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIMITAÇÃO DO DESCONTO A 30% DO SALÁRIO DO DEVEDOR. APELAÇÃO 2. CONHECIDA E DESPROVIDA.[1]
No caso acima, o princípio da dignidade da pessoa humana prevaleceu em face do apelo para descontos de empréstimo superiores a 30% do salário, uma vez que, em tese, retiraria do devedor o que se consideraria mínimo necessário a sua sobrevivência pessoal e de sua família.
Ainda em cotejo, relacionando-se diretamente com a valorização do indivíduo através do princípio no qual se fundam os demais, não seria coerente tratar dos direitos fundamentais sem que se ponderasse o atendimento das necessidades e respeito necessários para o desenvolvimento do indivíduo, essenciais à formação do caráter do indivíduo, desde sua geração, ideais ocorridos dentro da célula familiar, ou seja, a família continua sendo o centro de desenvolvimento e núcleo inicial de exercício de garantias dos direitos do homem, desde sua formação inicial[2].
Nas sábias palavras de Maria Berenice DIAS, a “dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer”[3], o que nos leva ao entendimento de que as diversas entidades familiares existentes na sociedade se equiparam entre si, tanto dentro do sistema social fático quanto no ordenamento jurídico contemporâneo para consecução dos direitos e garantias fundamentais, preservando e desenvolvendo qualidades mais relevantes, principalmente “o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum”[4].

2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O princípio da afetividade, que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana[1], tem seu fundamento na ordem constitucional como base para compreensão da família “como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade”[2] e, apesar de não ser um princípio expresso na Constituição de 1988, a afetividade encontra sua evidência nos julgados dos tribunais e na doutrina de forma bastante a determinar a direção das decisões que protegem o hipossuficiente, fazendo com que o fator preponderante não seja mais a origem consanguínea, mas a afetividade evidenciada nas relações familiares[3].
Assim demonstra o julgado do Tribunal de Justiça do rio Grande do Sul no tocante ao fator afetividade garantindo o reconhecimento da filiação sócioafetiva e desconsiderando a paternidade biológica pretendida, in verbis:
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE FILIAÇÃO C/C INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Instalada a paternidade sócio-afetiva ou sociológica, descabidas as alterações registrais determinadas pela sentença. Comprovada sócio afetividade, não é possível a declaração de filiação do pai biológico. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESACOLHIDOS.[4]

No caso em comento, importante ressaltar que a decisão do Magistrado se fundamentou na existência de vínculo afetivo muito mais evidenciado do que o vínculo biológico do pai que pretendia a declaração de paternidade, deixando clara a preponderância desse princípio em detrimento da filiação genética.
3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Por mais que não haja hierarquia entre os princípios constitucionais estabelecidos, de todos estes, intrínsecos ou não na Constituição de 1988, o princípio da igualdade também se faz presente na discussão das relações sociais e familiares desde a antiguidade, pois, na história da humanidade as desigualdades sociais, culturais e políticas entre os homens sempre foram motivos de abuso, mesmo porque, a autoridade soberana da época era imposta pelo conceito do direito divino e, por este legitimada[1].

Entretanto, é dentro desse conceito de desigualdade que surge o princípio constitucional que pretende equilibrar as relações, haja vista enormidade dos abusos observados no passado, buscando-se um equilíbrio real ou material das condições dos homens, quer dentro do ordenamento jurídico ou no próprio seio da sociedade[2].
O preâmbulo da Constituição da República de 1988 e o caput do artigo 5º do mesmo Texto Magno deixam explícitas as garantias de igualdade aos nacionais e aos estrangeiros residentes no território brasileiro, sendo este um princípio sobre o qual não há dúvidas de que se encontram no rol dos direitos fundamentais, devendo o princípio da isonomia ganhar respeito pelo legislador e pelos aplicadores do Direito, impedindo que se estabeleçam privilégios e discriminações deliberadas dentro do ordenamento pátrio[3].
O Termo Magno estabeleceu ações afirmativas básicas para privilegiar a proteção a determinados grupos sociais, tais como a mulher, os trabalhadores, pessoas com necessidades especiais e os negros, amplamente discriminados no passado. Nas palavras de Marcus Vinicius Corrêa BITTENCOURT, essas “ações afirmativas não violam o princípio da isonomia. Muito pelo contrário, uma vez que se busca desigualar os desiguais para se alcançar uma efetiva igualdade na sociedade”[4] com principal finalidade de favorecer tais grupos, corrigindo as desvantagens sofridas no passado, eliminando os desequilíbrios entre pares[5].
Entretanto, como bem mencionado, tal princípio não tem o condão de igualar uniformemente toda a sociedade, mas, apenas aqueles que se encontram em certo grau de paridade, sendo certo que tal conceito e princípio visa, também, a interdição de tratamento desuniforme dentro das categorias e o abandono dos privilégios sociais[1], tomando-se como exemplo aos maiores capazes definido tratamento diferente daqueles atribuídos aos menores ou a incapazes e, por reflexo, coibidas permutas de tratamento nessas categorias[2]
Na perspectiva de aplicação do princípio da igualdade dentro do ordenamento jurídico pátrio, para beneficiar esses desiguais, há necessidade de se observar que a legislação não pode contrariar as cláusulas pétreas e demais princípios estampados no sistema “constitucional ou nos padrões ético-sociais acolhidos nesse ordenamento”[3]
O princípio da igualdade é entendido por dois vieses, quais sejam igualdade material e igualdade formal. A primeira, também chamada de igualdade substancial diz respeito à intenção da “efetiva igualação ou desigualação dos entes”[4], culminando com uma isonomia pessoal, enquanto a isonomia formal se reporta a uma igualação normativa, com aplicação do texto legal vigente de maneira equânime[5], ou seja, uma igualdade jurídica em que os destinatários são todos os que vivem sob o ordenamento, sendo irrelevantes as desigualdades humanas observadas no seio social[6].
No ordenamento jurídico brasileiro anterior à Constituição Federal promulgada em 1988, a família tradicional encontrava suporte principalmente no Código Civil de 1916, este, por sua vez, fruto do Brasil-colônia e dos modelos europeus existentes no período, no qual apontavam a família tradicional eminentemente patriarcal, com extensa prole e com subsídios econômicos provenientes de atividade rural, funcionando “como uma unidade de produção” [7]..
Esse modelo social não comportava divisão ou distribuição de autoridade, permanecendo exclusivamente na pessoa do pai e marido todas as decisões familiares, sujeitando-se os demais ao seu poder inflexível, relegando a segundo plano “a vontade e sentimentos de seus membros”[1].
Em circunstâncias pretéritas, o exercício do poder patriarcal era aplicado exclusivamente quando da existência de família denominada legítima, havida dentro dos laços de uma união matrimonializada religiosa ou civil, não sendo aceitáveis as uniões concubinárias e, com demasiada discriminação, os filhos havidos dessas relações não dispunham de qualquer proteção no ordenamento pátrio, ficando à margem de qualquer disposição de direitos[2].
Como bem assenta Jacqueline Filgueras NOGUEIRA, “o código de 1916 silenta quanto à família ilegítima; as poucas noções que faz do concubinato são em função da proteção e preservação da família matrimonializada e não com o propósito de reconhecimento dessas uniões de fato, porque estas são simplesmente ignoradas, sem nenhum amparo legal”[3].
Com a mudança no quadro político-econômico da sociedade contemporânea, bem como a saída da mulher do seio familiar, e, consequente desmembramento da estrutura familiar tradicional em unidades familiares diversas, fizeram-se necessárias adaptações na legislação pátria, consolidando-se com a Constituição de 1988[4].
Ainda que no início do século passado o tema fosse absurdo para a maioria dos juristas, como alguns temas o são ainda neste século, dispositivos, tais como a Súmula 380 do STF, merecem comentários no que diz respeito ao reconhecimento da união estável como entidade familiar, porém, equiparada à sociedade comercial existente de fato, obrigando-se, naqueles tempos não remotos, que a concubina demonstrasse de maneira eficaz a sua participação na “formação do patrimônio cuja meação é reivindicada, porque, se isto não [acontecesse], não lhe [assistiria] qualquer direito, porque a lei não pode conceder à concubina vantagens idênticas ou superiores as da mulher casada, o que consistiria flagrante injustiça e aberração jurídica”[5].
Entretanto, o pensamento revigorado pelo texto Constitucional de 1988, traz novos conceitos e interpretações de menor discriminação que dantes ocorria, tal como se observa da redação do artigo 226, § 5º da CF/88 e a sua extensão ao artigo 1511 do Código Civil de 2002, tirando do patriarca a regência individual e passando a família a ser dirigida em conjunto pelo casal, quer seja dentro do casamento civil efetivo ou na união estável, desenvolvendo-se o instituto do poder familiar, descrito no artigo 21 da Lei 8069/90.
O Tribunal de Justiça do Paraná já pacificou a aplicação do princípio da igualdade nos seus julgados quando se trata da manutenção da família em relação aos filhos, cabendo a ambos os pais a responsabilidade pela manutenção da prole:
DECISÃO: ACORDAM os Magistrados integrantes da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. REVISIONAL DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE PROVA DE ALTERAÇÃO DA NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A obrigação alimentar deve ser partilhada pelos pais em igualdade de condições, inclusive em obediência a preceito constitucional: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores... (art. 229, Constituição da República), em corolário com o princípio da isonomia contido no art. 5° da Carta Federal. Alimentos mantidos na proporção estabelecida pelo juízo, apenas com determinações sobre as verbas incidentes.[1]

O princípio da isonomia entre os cônjuges se estende à legislação infraconstitucional, principalmente no Código Civil de 2002, mormente no que diz respeito ao exercício do poder familiar sobre a pessoa dos filhos, como descrito no artigo 1634 do referido codex, especificando igualdade de responsabilidades na educação, no direito à convivência e à guarda compartilhada, na concessão ou negativa para casamento e, entre outros[2], “exigir que os filhos lhe prestem obediência, respeito e os serviços próprios da sua idade e condição”[3].
Percebe-se, portanto, que a entidade familiar detém nova característica no que tange à direção, esta exercida por ambos os cônjuges e, interessante observar, o Código Civil ainda abarca a possibilidade de, a mulher, assumir a chefia do casal, quando o cônjuge varão não puder exercê-la[4].

Esta constitucionalização do direito civil abrange, não apenas a consagração do princípio da igualdade no âmbito do direito das famílias, mas, visa desenvolver a solidariedade entre seus participantes, com o desenvolvimento de atributos específicos, pautados não apenas na consanguinidade, mas, no amor e no afeto[1].
Neste contexto, há uma tendência ao desaparecimento da hierarquia existente na família tradicional, alterando-se os deveres e direitos para uma forma paritária, desenvolvendo o princípio da igualdade formal e material somente entre o casal, e somente entre os filhos, desconsiderando a possibilidade de que isto venha a ocorrer no contexto pai e filho, ou mãe e filho, em razão do cuidado em igualar os que estão no mesmo nível, ou seja, os iguais. [2].

4 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO ENTRE OS FILHOS

Na forma positiva, o princípio da proibição da discriminação entre os filhos se observa no princípio da igualdade. Neste contexto, a Constituição da República buscou igualar as diferenças que existiam entre os filhos naturais e os filhos adotivos, assim como excluiu os demais termos discriminatórios das legislações aditivas, quanto às outras condições de filiação, tais como filho espúrio e adulterino, preconiza no artigo 227, parágrafo 6º, do Termo Constitucional que os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações.

Assim têm sido os julgamentos do Tribunal do Rio Grande do Sul, conforme se vê no Agravo de Instrumento interposto no intento de habilitação de herdeira no inventário do pai adotivo, inobstante haver sido adotada na vigência do Código Civil de 1916, no qual previa em seu artigo 377 o não envolvimento do adotado na sucessão hereditária, tal dispositivo foi revogado pelo artigo 227, § 6º da CF/88:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. FILHA ADOTADA. HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO. Ainda que a agravante tenha sido adotada pelo falecido avô sob a vigência do Código Civil de 1916, que afastava o direito à herança em havendo filhos legítimos dos adotantes, o art. 227, § 6º, da CF/88 revogou o art. 377 do CC/16, não havendo mais qualquer discriminação entre os filhos. Ainda, inexistindo proibição na época de adoção pelos avós, deve ser deferida a habilitação da recorrente no inventário do pai adotivo. Precedentes. Preliminar rejeitada. Agravo de instrumento provido.[1]

O dispositivo mencionado proíbe quaisquer discriminações relativas à filiação, colocando, assim, em igualdade de condições todos os filhos, quer sejam consanguíneos, unilaterais, adotivos ou afetivos, reconhecidos dentro das formas de filiação definidas no artigo 1596 do Código Civil de 2002, significando dizer que essa norma é aberta de forma a ampliar para qualquer forma de filiação.
Interessante observar o que dispõe o artigo 1593 do Código Civil no tocante ao parentesco, prevendo que o mesmo se dá de maneira natural ou civil, estas por existência de consanguinidade ou outra origem, não especificando qual seria essa origem, também ampliando absolutamente o conceito de parentesco e, consequentemente, o conceito de filiação.
Maria Helena DINIZ comenta sobre o princípio da igualdade jurídica existente entre os filhos, uma vez que, por meio desse princípio “não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo quanto ao poder familiar, nome e sucessão; permite-se o reconhecimento de filhos extramatrimoniais e proíbe-se que se revele no assento de nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade”[2].
Evidente que essa igualdade entre os filhos segue a mesma linha de raciocínio dado à igualdade entre os cônjuges, ambas decorrentes de normas que consagram os direitos fundamentais do Estado brasileiro, com pequenas nuances no que diz respeito a um novo ideal fundante, qual seja, o melhor interesse da criança e do adolescente[3].
Neste diapasão, a criação da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) e a Lei 8560/92 que trata das ações de investigação de paternidade, vieram a colimar os princípios de proteção ao menor hipossuficiente na conquista dos seus direitos, a iniciar-se pela equiparação ocorrida entre a mesma prole.

Ademais, deste último codex, referindo-se imediatamente ao seu artigo 1º há explícito estabelecimento da irrevogabilidade do reconhecimento de filhos havidos fora da constância do casamento, garantindo também, proteção do direito ao estado de posse de filho.
O artigo 27 da Lei 8069/90, declara expressamente a imprescritibilidade, a indisponibilidade e o direito personalíssimo do filho pretender o reconhecimento de sua paternidade, sem qualquer restrição. Ambos tomam como base o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade para reforçar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, realizando uma perfeita simbiose entre esses princípios.
 
5 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A proteção à criança, internacionalmente, remonta desde a Declaração de Genebra, de 1924[1] e está prevista na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, em cuja redação do princípio I deixa claro inicialmente o direito à igualdade, sem distinção ou discriminação de raça, religião ou nacionalidade[2], bem como o artigo 3º, 1, da parte I, da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificado pelo Brasil em 1990, pelo Decreto 99.710, determina que todas as ações em que se encontrem envolvidas crianças deverão levar em consideração o seu interesse sobre quaisquer outros[3].
Interessante esclarecer que, muito embora os direitos previstos nas Convenções Internacionais não ensejam obrigações para os Estados membros, tratam-se de afirmações meramente morais, cabendo a cada país-membro adaptar-se conforme a realidade interna através de políticas legislativas que garantam a eficácia da Convenção, tanto de maneira positiva – com o estabelecimento de leis – quanto negativas – coibindo qualquer tentativa de descumprimento das mesmas[4].

Este princípio protetivo tem como fundamento o artigo 227 da Constituição da República, no qual preceitua um dever da família, da sociedade e do Estado, com total prioridade salvaguardar dignamente uma gama de direitos aos incapazes[1], seguindo sua consolidação ativa com o Estatuto da Criança e do Adolescente, publicado em 1990, no qual estabelece, entre outros estampados claramente no seu artigo 3º, os direitos fundamentais da pessoa humana, a serem garantidos por lei ou por demais outros meios com dignidade.

Observa-se que a palavra dignidade se encontra inscrita em sete artigos, demonstrando preocupação do legislador pela consecução desse conceito na vida do menor, comumente enfraquecido nas relações desiguais que existem no âmbito social[2].
Dentro do raciocínio focado no princípio da igualdade, o artigo 53, I, do ECA estabelece garantia de isonomia de condições para que o menor possa manter-se nos bancos escolares e, também, sendo-lhe garantida igualdade na relação processual, conforme determina o artigo 111, II do mesmo Estatuto.
Comumente, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é visto como alicerce para o estabelecimento de guarda na ruptura familiar, com previsto no artigo 13 da Lei 6515/77, Lei do Divórcio, em cuja redação faculta o magistrado dispor de forma mais conveniente para privilegiar o bem-estar dos filhos.
A jurisprudência dos tribunais já pacificou a proteção do menor em decisões nas quais há divergência de opiniões entre os pais, como, por exemplo, no julgado do Tribunal de Justiça do Paraná, in verbis:
MENOR - GUARDA - AUSÊNCIA DE ACORDO ENTRE OS PAIS – PREVALÊNCIA
Na solução do conflito entre os pais, quanto à guarda dos filhos menores, o Juiz deve dar primazia ao interesse dos menores. Não havendo possibilidade de acordo entre os pais, o interesse do menor deve ser auferido, pelo Juiz, sobretudo, através da análise dos sentimentos expressados pelas crianças e pela pesquisa social, desenvolvida por psicólogos e assistentes sociais, que, com as demais provas trazidas aos autos, permitem avaliar a qualidade das suas relações afetivas, o seu desenvolvimento físico e moral, bem como a sua inserção no grupo social.[3]

Entretanto, tal princípio não se restringe aos casos de ruptura conjugal, servindo principalmente como forma de controle do exercício do poder familiar[4], garantindo à criança a devida proteção contra abuso ou negligência dos pais, bem como lhes assegura o direito ao nome, a uma identidade e à convivência harmoniosa no âmbito de uma família[1].

Tem-se como exemplo o julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul, em que foi necessário o afastamento da criança do seio familiar em razão de abuso sofrido pela mãe doente, como se lê:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. MEDIDA DE PROTEÇÃO. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. MÃE ESQUIZOFRÊNICA. DECISÃO LIMINAR. Face aos riscos que a criança vinha sofrendo sob a guarda materna, e, considerando as infrutíferas tentativas de manutenção da infante junto ao seio familiar, correta a decisão que determinou o seu abrigamento e, posteriormente, a sua colocação em família substituta, em observância ao melhor interesse da menor. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO[2].

Portanto, diante de evidências de irregularidade nos tratos e cuidados específicos com o menor, impõe-se a aplicação do melhor interesse para que seja deferida proteção necessária à criança vítima de maus tratos. Assim sendo, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é aplicado em qualquer situação em que traga risco à formação do caráter do menor.

CONCLUSÃO

O presente artigo pautou sua premissa no questionamento sobre a aplicação efetiva da normatividade atual, principalmente a Constituição da República de 1988 e legislações derivadas, aplicadas aos julgados dos tribunais, questionando a eficácia da norma jurídica brasileira perante a realidade fática, com a seguinte assertiva: “a norma que institui os princípios do direito de família possui eficácia perante a realidade fática?”, atrelada a outro questionamento, qual seja “a afetividade, como um princípio derivado da dignidade da pessoa humana, serve de balizamento para as decisões dos tribunais nacionais?”.
Ao analisar a doutrina e a jurisprudência de dois tribunais da região Sul do Brasil, este trabalho concluiu que a resposta a esses dois quesitos é sim, levando-se em consideração a gama de materiais que abordam o tema da afetividade como parâmetro para as decisões mais coerentes de proteção do menor hipossuficiente.
Quando se observa a essência dos princípios no direito de família, percebe-se que todos têm em comum o princípio da afetividade, uma vez que, sem o mesmo, não seria possível sequer pensar em proteção do hipossuficiente.
Ficou claro o entendimento de que os princípios constitucionais do direito de família, principalmente da igualdade, dignidade da pessoa humana e afetividade conduzem as decisões fático-práticas de forma efetiva, tendo em vista a mudança no quadro paradigma social anterior à Constituição Federal de 1988, onde tais princípios não se faziam presentes e a desigualdade tinha suas raízes no preconceito das uniões informais, bem como a norma seguiu a tendência social, modificando-se com as novas formas de pensamentos inovadores e protetivos a fim de dar efetiva aplicação à realidade fática.
De igual maneira, restou incontroversa a aplicação dos princípios constitucionais do direito de família, nos tribunais mencionados, visando definir através da afetividade a melhor decisão a fim de proteger tais direitos outrora inexistentes, garantindo o equilíbrio na ordem familiar e, consequentemente, refletindo-se no seio da sociedade.



[1] PEREIRA, Tânia da Silva. Op. cit., p. 311.

[2] TJRS - 8ª C.Cível – Agr.Instr. 70039854294 – Dois Irmãos - Rel.: Des. Alzir Felippe Schmitz - Unânime - J. 14.04.2011. Disponível em: . Acesso em: 01 Mai. 2011.





[1] ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Op. cit., p. 141.

[2] Arts. 3; 4; 15; 18; 94, IV; 124, V e 178 da Lei 8069/90.

[3] TJPR – 6ª C.Cível – AC 77.373-7 - Ponta Grossa - Rel. Des. Accácio Cambi. – Unânime – J. 26.06.1999. Disponível em: . Acesso em: 12 Mar. 2011.

[4] LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 195.



[1] PEREIRA, Tânia da Silva. O Reconhecimento dos Direitos Fundamentais da Criança e Adolescente no Sistema Jurídico Brasileiro. In: MATOS, Ana Carla Harmatiuk. A Construção dos novos direitos. (org.) Porto Alegre: Nuria Fabris, 2008. p. 308.

[2] Declaração Universal dos Direitos da Criança. Disponível em: . Acesso em: 12 Jan. 2011.

[3] Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: . Acesso em 12 Jan. 2011.

[4] PEREIRA, Tânia da Silva. Op. cit., p. 308.





[1] TJRS - 8ª C.Cível – Agr.Instr. 700241785480 – Porto Alegre - Rel.: Des. José Ataídes Siqueira Trindade - Unânime - J. 10.07.2008. Disponível em: . Acesso em: 12 Abr. 2011.


[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5, 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 27.


[3] ROCHA, Marco Túlio de Carvalho. Op. cit., p. 204.





[1] DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 65.


[2] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 33, jul. 1999. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2008.





[1] TJPR - 12ª C.Cível - AC 0640974-9 - Guarapuava - Rel.: Des. Carlos Maurício Ferreira - Unânime - J. 26.05.2010. Disponível em: . Acesso em: 12 Abr. 2011.


[2] TARTUCE, Flávio. Op. cit.


[3] Art. 1634, VII, Código Civil/2002.


[4] Art. 1630, Código Civil/2002.



[1] Idem.

[2] Ibidem, p. 34.

[3] Ibidem, p. 35.

[4] Idem.

[5] COUTO, Sérgio. As relações fora do casamento e a nova ordem jurídica. In _____ Nova realidade do direito de família. Rio de Janeiro: Jurídica, 1998. p. 60.





[1] ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O princípio jurídico da igualdade e o Processo Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 31.


[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 11-13.


[3] Ibidem, p. 42.


[4] ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Op. cit., p. 36.


[5] Idem.


[6] ROCHA, Marco Túlio de Carvalho.  A igualdade dos cônjuges no Direito brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 86-87.


[7] NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 32-33.





[1] ROUSSEAU, Jean-Jaques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 87-88.


[2] SILVA, José Afonso. Op. cit., p.195.


[3] BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Op. cit., p. 62.


[4] Idem.


[5] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Op. cit., p.797.

[1] TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2008.
[2] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em: .Acesso em 01 Mai. 2011.
[3] OTONI, Fernanda Aparecida Corrêa. A filiação sócioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. Disponível em: . Acesso em: 01. Mai. 2011.
[4] TJRS - 7ª C.Cível – Emb.Declar. 70040373714 - Estrela - Rel.: Des. Roberto Carvalho Fraga - Unânime - J. 23.03.2011. Disponível em: . Acesso em: 01 Mai. 2011.






[1] TJPR - 16ª C.Cível - AC 0672171-5 - Ponta Grossa - Rel.: Des. Shiroshi Yendo - Unânime - J. 29.09.2010. Disponível em: . Acesso em: 11 Abr. 2011.


[2] HAGE, Rodrigo. Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: . Acesso em: 11 Mar. 2011.


[3] DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 62.


[4] Idem.
 





[1] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 32.


[2] DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 61.


[3] Ibidem, p. 62


[4] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 07.


[5] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 48.





[1] MARTINS FILHO, Ives Gandra. O que significa dignidade da pessoa humana? Disponível em: . Acesso em: 11 Mar. 2011.


[2] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 112.


[3] DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 61.